Caminhos de Botafogo
Minha caminhada registra as imagens que marcaram esse anos por aqui e me fazem ter a certeza de que estou me acostumando com a frequência com que as coisas mudam.
O cheiro da pipoca na porta do colégio católico me lembra da minha correria enquanto separava o dinheiro para o lanche da criança. O aperto no peito em dias de engarrafamento, lembra minha pressa para chegar ao jantar que me aguardava. Uma vida em família que eu não esperava...
A livraria onde me refugiei várias vezes na tentativa de redescoberta do meu caminho, dos meus sonhos de escrita.
Todas as vezes em que a solidão de uma nova vida me assombrava, eu me via conhecendo novos lugares e novos olhares. Hoje esbarro com pessoas que conheço em detalhes, por tantas as vezes que nos vimos pelas mesmas esquinas, e por minha curiosidade e interesse. Sei o nome de algumas, de outras nunca tive a coragem de me aproximar.
Revi cenas engraçadas, como as muitas vezes em que saí com minha bicicleta em busca de lugares desconhecidos. Minhas paradas na Sorocaba para ver o ensaio da orquestra dos meninos. O refúgio verde do parque de crianças, o silêncio da capela escondida.
Botafogo me acolheu em diferentes momentos e fases do meu espírito e sou muito grata por tudo que vivi aqui. Este Bairro reforçou uma velha ideia que eu fazia de mim, da minha capacidade de me reinventar a cada nova situação. As coisas são impermanentes e é essa a lição que essas ruas me deixam.
Fui feliz, casada, sofri, fiz novos amigos, falei com estranhos, descobri de novo o silêncio, voltei a me apaixonar, recuperei o prazer no cotidiano.
Volto a sentir o cheiro daquela pipoca, a ouvir o barulho das motos que passam na esquina às quintas-feiras, a feira no caminho do trabalho e a sensação de ser acordada pela imagem da árvore que entra pela minha janela de manhã.
Texto: Leticia Calhau
Foto: Mariana K. Pereira
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"Vida lazer" pra nós!
P.S.: não gosto de perder minha vizinha!