Sons do subúrbio

Estou na contramão e isso, de alguma forma, privilegia minha percepção. Existem coisas que estão no mesmo lugar desde a última vez em que tive vida frouxa; o senhor quilombola ainda vive na esquina do meu bairro - ele tem a mesma voz de preto velho, o mesmo corpo, as mesmas feridas.

É não sei se é privilégio, mas eu me lembro e vejo tudo. O som da máquina do chaveiro que se mistura ao tom alto da conversa entre duas mulheres na porta do prédio. A carpintaria que o sujeito tenta deixar limpa e que me lembra outro tempo, o encanto que havia na oficina de coisas criativas do meu avô.

Vejo o homem já velho que sobe com tranquilidade a rua, enquanto eu me esforço para seguir os conselhos de um velho filósofo: "Caminhe para organizar seus pensamentos". Não vejo nada organizado por aqui, o campo das minhas idéias se parece com aquela oficina bagunçada...

Ouço esse som de subúrbio, vendedores nas ruas, crianças correndo para a escola, mulheres falando da vida das outras...e eu aqui na contramão.

Não queria decepcionar meu velho sábio, mas meus pensamentos não foram organizados, ele ganharam foi mais vida, mais velocidade...e entre tantas coisas, lá estava a idéia fixa de querer bem alguém.