Sem título
Naquele dia ela havia acordado com uma fome absurda, gigantesca, incontrolável. Ficou tentando adivinhar de onde vinha esse desespero; pensou no dia anterior, em tudo que havia feito e que poderia ter provocado essa fome urgente e nova.
Comeu o que havia de bom no café da manhã: bolo fresco, leite com chocolate, suco de tangerina. Num primeiro momento sentiu-se saciada e até feliz, mas demorou pouco tempo para que sentisse novamente aquele vazio estranho, novo. Sentia como se tivesse arrancado uma grande parte de carne que preenchia seu ventre, talvez um filho; era a falta de uma grande massa que a deixava saudável e satisfeita.
Lembrou-se então do seu amante, e de como ele a havia deixado na noite anterior. Só podia ser isso então: era fome dele, do seu sexo, do encontro afinado e harmônico de seus corpos jovens.
Ainda com o vazio desesperador, ela preparou tudo: arrumou a casa e coloquei a melhor essência que tinha guardado. Tomou um banho de muitas espumas, cores e sabores. Mudou o penteado, abriu o vinho que havia ganhado e fez tudo à espera do seu mais novo amante que seria capaz de saciar sua fome.
A noite não aconteceu; na verdade aconteceu e ela havia gostado como gostou na primeira vez em que eles estiveram juntos, o sexo era bom entre eles, mas nada de diferente havia acontecido; a fome permanecia nela.
Despediu o amante com impaciência e desapontamento. Se não era a comida, não era falta de vinho bom, nem mesmo o sexo gostoso, o que mais poderia representar aquela fome que havia resolvido se manifestar naquele dia.
Teve medo, achou que alguma coisa pudesse estar errada em seu corpo, talvez uma doença grave – havia ouvido falar que câncer gerava um tipo de vazio por dentro – teve medo de morrer.
Pensou e lembrou de todas as fomes que já havia sentido. Como criança voltou em sua história. Lembrou como tinha fomes curiosas quando ainda era apenas uma jovem. Pensou na fome e curiosidade que tinha pelo cigarro de palha que o avô vazia – podia sentir o gosto daquele fumo amassado derretendo em sua boca. Lembrou de toda sua volúpia, sua paixão quando no tempo do primeiro amor; não pensava em outra coisa e até ficava doente de saudade. Percebeu como suas pequenas fomes mudavam conforme o tempo: fome de bicicleta, fome de amigos, de goma, de meninos, de meninas também.
Pensou com espanto de que um dia, em um domingo de sol, havia sentido fome por bebê que pegavam sol na praça. Ela havia sentido fome de mães e bebês, queria se alimentar de alguma coisa que eles tinham e que a atraiam seu apetite.
Sua mente deu tantas voltas, lembrou-se de tanta coisa e de como, mesmo depois de adulta, sentia fome pelo cachimbo perfumado do vizinho do andar de cima.
Sorrindo e um pouco mais leve, ela havia percebido o que desejava - o emaranhado de coisas que alimentariam sua fome naquela noite. Ela tinha fome enorme dela mesma... Tomou muito de si, em doses grandes, em toques profundos, demorados, sinceros. Mais do que tomar do seu corpo, naquele dia ela tomava de sua essência; conhecia seu corpo, seus pensamentos; revirava, dobrava, ruminava, regurgitava e a cada momento ela sentia que se formava algo mais espesso, mais forte, uma massa que a preenchia e a fazia satisfeita.
Ela havia entendido, tinha fome de si, dos seus sonhos, de suas histórias – tristes e felizes- fome de todas as fomes que somavam e que fazia dela o que era: Mulher.
Ela tinha fome do mundo que podia existir dentro dela.
Comeu o que havia de bom no café da manhã: bolo fresco, leite com chocolate, suco de tangerina. Num primeiro momento sentiu-se saciada e até feliz, mas demorou pouco tempo para que sentisse novamente aquele vazio estranho, novo. Sentia como se tivesse arrancado uma grande parte de carne que preenchia seu ventre, talvez um filho; era a falta de uma grande massa que a deixava saudável e satisfeita.
Lembrou-se então do seu amante, e de como ele a havia deixado na noite anterior. Só podia ser isso então: era fome dele, do seu sexo, do encontro afinado e harmônico de seus corpos jovens.
Ainda com o vazio desesperador, ela preparou tudo: arrumou a casa e coloquei a melhor essência que tinha guardado. Tomou um banho de muitas espumas, cores e sabores. Mudou o penteado, abriu o vinho que havia ganhado e fez tudo à espera do seu mais novo amante que seria capaz de saciar sua fome.
A noite não aconteceu; na verdade aconteceu e ela havia gostado como gostou na primeira vez em que eles estiveram juntos, o sexo era bom entre eles, mas nada de diferente havia acontecido; a fome permanecia nela.
Despediu o amante com impaciência e desapontamento. Se não era a comida, não era falta de vinho bom, nem mesmo o sexo gostoso, o que mais poderia representar aquela fome que havia resolvido se manifestar naquele dia.
Teve medo, achou que alguma coisa pudesse estar errada em seu corpo, talvez uma doença grave – havia ouvido falar que câncer gerava um tipo de vazio por dentro – teve medo de morrer.
Pensou e lembrou de todas as fomes que já havia sentido. Como criança voltou em sua história. Lembrou como tinha fomes curiosas quando ainda era apenas uma jovem. Pensou na fome e curiosidade que tinha pelo cigarro de palha que o avô vazia – podia sentir o gosto daquele fumo amassado derretendo em sua boca. Lembrou de toda sua volúpia, sua paixão quando no tempo do primeiro amor; não pensava em outra coisa e até ficava doente de saudade. Percebeu como suas pequenas fomes mudavam conforme o tempo: fome de bicicleta, fome de amigos, de goma, de meninos, de meninas também.
Pensou com espanto de que um dia, em um domingo de sol, havia sentido fome por bebê que pegavam sol na praça. Ela havia sentido fome de mães e bebês, queria se alimentar de alguma coisa que eles tinham e que a atraiam seu apetite.
Sua mente deu tantas voltas, lembrou-se de tanta coisa e de como, mesmo depois de adulta, sentia fome pelo cachimbo perfumado do vizinho do andar de cima.
Sorrindo e um pouco mais leve, ela havia percebido o que desejava - o emaranhado de coisas que alimentariam sua fome naquela noite. Ela tinha fome enorme dela mesma... Tomou muito de si, em doses grandes, em toques profundos, demorados, sinceros. Mais do que tomar do seu corpo, naquele dia ela tomava de sua essência; conhecia seu corpo, seus pensamentos; revirava, dobrava, ruminava, regurgitava e a cada momento ela sentia que se formava algo mais espesso, mais forte, uma massa que a preenchia e a fazia satisfeita.
Ela havia entendido, tinha fome de si, dos seus sonhos, de suas histórias – tristes e felizes- fome de todas as fomes que somavam e que fazia dela o que era: Mulher.
Ela tinha fome do mundo que podia existir dentro dela.
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