Gafieira


Durante o perído em que fazia pós-graduação no Centro da Cidade, caminhava da Carioca até a presidente Vargas para pegar meu ônibus e aproveitava o caminho sozinha para pensar em meus amores e sonhos.
Na última semana de curso descobri mais um cenário destoante de toda correria urbana. Foi no mês de Dezembro, estávamos vivendo o horário de verão; o fluxo de pessoas era grande porque muitas pessoas faziam suas compras de Natal; a cidade fervia e o espetáculo que o fim de tarde criava no céu parecia não ser notado por ninguém.
Eu observava tudo como alguém que não tinha pressa para voltar pra casa; na verdade esse curso no Centro permitiu que eu voltasse a ver coisas durante o dia e não procurava não disperdiçar nenhum momento. Em meio a correria no centro: pessoas apressadas com seus embrulhos; funcionários que voltavam pra casa; barraquinhas de churrasco; homens que gritavam oferecendo mercadorias. Em meio à loucura do centro da cidade no mês de Dezembro enxerguei algo na rua dos Andradas que tirou minha atenção. Vi um casarão antigo com uma bela fachada, com janelas enormes, todo pintado de uma cor quase pêssego. O prédio já chamava minha atenção por sua beleza, mas o fato que me roubou foi que pelas janelas eu podia ver um casal deslizando pelo chão de madeira. Era uma escola de dança de salão.Essa cena roubou minha atenção, meu olhar, minha imaginação por um bom tempo; acho até que se um dia alguem conhecido me encontrar pelas ruas do Centro vai achar que enlouqueci.
Queria entender como eles conseguiam delizar com tanta suavidade, tanta delicadeza, como se não existesse aquele mundo caótico debaixo de suas janelas. Eles não podiam me ver, acho mesmo que não viam e nem ouviam nada além da música.
Imagens como a do casal dançando me levam a outras imagens e por isso às vezes me pego parada no meio da rua. Lembrei dos quadros do Di Cavalcanti e como ele parecia amante de gafieiras. Se eu pudesse eu pintaria um quadro dessa cena em homenagem ao grande Di Cavalcanti, porque vi nesse cena o mesmo sentimento de vida e liberdade que encontrei nos quadros desse pintor. Ele pintou o Rio de Janeiro; pintou mulheres cariocas; mulatas corpulentas e bonitas; ele pintou casais dançando ...pintou quadros sensuais e cheios de vida.
Descobri minha paixão pela história das antigas gafieiras...se não fosse a beleza cotidiana do Rio eu não poderia viver diálogos tão enriquecedores como os que tive com os quadros de Di Cavalcanti.

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